Pedaços da História e de Vidas
Sou amigo de Javier Guerrero. Já fizemos
projetos juntos e acompanho sua trajetória
há nove anos. Com isso, arrisco dizer que
ele está preocupado em criar uma cultura do
mosaico — uma técnica que nem sempre
produz trabalhos autorais autênticos.
O mais interessante, no caso da obra de Javier,
é a aliança que ele faz dessa técnica com
a visão social da arte e o resgate do
maginário da esquerda. Equatoriano nascido
em Riobamba, exilado político em Curitiba
desde o fim dos anos 1980, a História,
as dores, os símbolos e o suor latino-americano
são mais um condimento que o artista
adiciona à sua obra.
Os trabalhos de Javier parecem nascer,
principalmente, de duas grandes motivações:
A primeira delas é a "quente", quando coloca
seu trabalho à disposição imediata de
manifestações sociais. Com isso, surgiram
painéis feitos na rua, por exemplo, na época
da solidariedade mundial com a Assembleia
Popular dos Povos de Oaxaca/México, em
2006; ou então o retrato do comunicador
popular curitibano Anderson Leandro,
brutalmente assassinado em 2012. Seriam
várias obras para citar aqui. A segunda linha
narrativa encontra-se agora nestes ensaios
sobre o Che Guevara. Há alguns anos, o
mosaicista vem se dedicando a empreender
séries temáticas. Ele resgata retratos de
nomes da luta revolucionária, de mulheres
e homens, dos movimentos sociais e da
literatura que formaram o que somos hoje.
Mas esses treze novos quadros trazem uma
perspectiva inversa: aqui não é apenas o
Che do retrato conhecido mas o outro lado
do personagem, humano, íntimo, dedicado.
Um lado que também consolidou o fervor
e a inspiração da figura política, sem se
dissociar dela. A obra de Javier segue a pista
deixada pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano:
a força do Che vem da sua totalidade,
na qual palavra, vida, pensamento e ação
não se separaram — como tantas vezes
acontece entre a classe política,
cada vez mais preocupada apenas
em representar a grana que a financiou.
Não é à toa, um ano depois do assassinato
do Che organizado pela CIA/EUA, em 1967,
na Bolívia, a imagem clássica dele emergiu
com força empunhada por jovens que foram
às ruas com sede de mudança, no episódio
do Maio de 1968. Aqui, uma ressalva.
A obra de Javier não se limita ao seu importante
trabalho com a História de "Nossa América".
Uma prova disso é a viagem intimista que o
artista empreendeu refazendo em azulejos
as obras que o avô — renomado pintor equatoriano —
fez com a tinta a óleo. Certo é que são exercícios
doloridos para ele. Demandam lágrimas estes
caminhos que o artista refaz quando busca
reencontrar a América hispânica, o passado de
militante político preso e torturado, as ruas estreitas
de Quito e a linha do Equador. Plural e cada vez mais
madura, sua obra ganha consistência. Nada mais
inusitado em Curitiba, tuna capital tão voltada para
o próprio umbigo, que agora teria a obrigação de
conhecer esta História, pessoal e política,
que se gesta em suas entranhas.
Afinal, somos ou não somos latino-americanos?
na diversidade que isso compreende.
Curitiba, 5 de outubro de 2015
Por Pedro Carrano, escritor, militante, autor do livro "Três Vértebras" e "Um Primeiro Testamento".